Muito se fala a respeito da capacidade das proteínas vegetais estimularem a hipertrofia na mesma medida que as prote
Proteínas Vegetais e Hipertrofia
Muito se fala a respeito da capacidade das proteínas vegetais estimularem a hipertrofia na mesma medida que as proteínas animais. Isso porque os estudos mostram que, além da quantidade de proteína, a cinética de digestão e absorção e a composição de aminoácidos de uma proteína (fonte) determinam em grande parte a resposta de síntese proteica muscular (SPM).
A este respeito, a qualidade da proteína é comumente avaliada com base em dois aspectos: na composição de aminoácidos essenciais referente às necessidades humanas e na capacidade da proteína de ser digerida, absorvida e assimilada por vários tecidos do corpo. Várias abordagens foram usadas para avaliar a qualidade da proteína, incluindo valor biológico, utilização líquida de proteína e pontuação de aminoácidos corrigida pela digestibilidade da proteína (PDCAAS), enquanto a pontuação de aminoácidos indispensáveis digeríveis (DIAAS) foi proposta mais recentemente. Todos os métodos mostram uma superioridade das proteínas animais em relação às vegetais, justamente pelos 2 aspectos citados. Vamos comentar sobre eles:
1. Digestão e Absorção da Proteína
Há diferenças na digestão e cinética de absorção de aminoácidos após a ingestão de diferentes fontes de proteína. Em geral, os alimentos integrais à base de plantas têm uma menor capacidade de absorção quando comparados aos alimentos integrais de origem animal. Por exemplo, dados recentes em humanos mostraram que ~ 85 a 95% da proteína da clara de ovo, ovos inteiros e frango é absorvida, em comparação com apenas ~ 50 a 75% da proteína em grão de bico, feijão mungo e ervilha amarela. (1,2)
A menor capacidade de absorção de proteínas vegetais pode ser atribuída a fatores antinutricionais, como fibras, fitatos, inibidores de proteases e taninos polifenólicos. Quando uma proteína vegetal é extraída e purificada de fatores antinutricionais para produzir um isolado ou concentrado de proteína (suplemento), a capacidade de absorção subsequente normalmente atinge níveis semelhantes aos observados para fontes convencionais de proteína de origem animal. Isso implica que a baixa capacidade de absorção dessas fontes não é uma propriedade inerente de uma proteína vegetal per se, mas simplesmente um resultado da matriz de alimentos integrais da fonte de proteína. (3) Ainda, o impacto dos fatores antinutricionais também pode ser diminuído por meio de uma variedade de técnicas de preparação. A imersão, a fermentação e o cozimento podem reduzir os níveis de fitato nos alimentos, melhorando a digestibilidade. (4,5)
2. Composição de Aminoácidos
Após a digestão, uma grande proporção dos aminoácidos é liberada na circulação. O aumento na concentração plasmática de aminoácidos ativa a maquinaria de SPM, ao mesmo tempo em que fornece os precursores necessários para permitir a construção muscular.
Os aminoácidos essenciais são considerados os principais responsáveis por essa estimulação (6,8). Consequentemente, proteínas com alto teor de aminoácidos essenciais são geralmente consideradas proteínas de alta qualidade e também são mais propensas a estimular a SPM. E os estudos mostram que os teores de aminoácidos essenciais de proteínas vegetais são geralmente menores quando comparados com proteínas derivadas de animais.
Ainda, apesar de algumas proteínas vegetais apresentarem uma boa quantidade de aminoácidos essenciais, normalmente um desses está disponível em menor quantidade, o que limita o estímulo. Por exemplo, as proteínas vegetais geralmente têm um teor de leucina menor do que as fontes de proteína de origem animal, que é o principal responsável por ativar a maquinaria celular. Além disso, as fontes de proteína vegetais são deficientes em certos aminoácidos essenciais para as necessidades do corpo (por exemplo, lisina em cereais e metionina em leguminosas). Quando um aminoácido essencial é limitante, todos os outros aminoácidos não serão usados adequadamente para a síntese de proteínas e, portanto, serão desaminados e oxidados e depois eliminados irreversivelmente. A limitação de aminoácidos pode, portanto, influenciar a SPM. (3,7,8)
Vamos falar dos estudos!
Os estudos disponíveis sobre esse tema são escassos e podem ser divididos em dois tipos, para a avaliação da funcionalidade da proteína em aumentar a massa muscular.
O primeiro tipo são os estudos agudos, onde há a ingestão de uma dose de proteína (normalmente isolada, normalmente proteína isolada de soja e alguma proteína do leite) e posterior mensuração da concentração de aminoácidos e taxas de metabolismo de proteínas musculares (SPM). Coletivamente, esses estudos indicam que, embora as proteínas vegetais possam provocar aumentos pós-prandiais nas concentrações de aminoácidos essenciais e aumentos subsequentes nas taxas de síntese de proteínas miofibrilares (musculares), esses efeitos provavelmente serão menores ou iguais ao observado após a ingestão de quantidades comparáveis de proteínas animais. Porém, mais estudos são necessários, de forma a avaliar outras fontes de proteína vegetal, a ingestão de uma refeição completa (matriz alimentar, da forma que são ingeridos) e especificar a dose e condição de tratamento (jovens ou idosos? 20 ou 40g? pós treino ou em descanso?). (3,7-9)
O segundo tipo são os estudos prolongados (a partir de uma intervenção dietética), que avaliam realmente o DESFECHO, e geralmente destacam resultados relacionados à força, desempenho, recuperação e massa magra. Apesar de algumas contradições, tomadas em conjunto, a maioria desses estudos sugere que as proteínas animais têm efeito mais favorável na massa magra, porém sem diferenças no que diz respeito à força muscular. Além disso, a diferença entre os efeitos anabólicos de proteínas vegetais e animais pode ser reduzida com uma ingestão adequada (ou seja, aumentada) de proteína vegetal (para atingir as necessidades de aminoácidos essenciais). (3,4,7,9,10)
Portanto, é possível ter resultados similares se comparado à uma dieta onívora, principalmente se for uma dieta vegetariana (incluindo leite e ovos fica muito mais fácil) e se houver suplementação e ingestão adequada e variada das fontes de proteínas.
Temos que ressaltar que a maioria dos estudos que avaliam as fontes de proteínas e consideram o treinamento resistido (musculação) são feitos com indivíduos destreinados ou iniciantes. Ainda, nenhum dos estudos considera uma dieta hipocalórica de perda de peso. Pode ser que, nesta situação, indivíduos treinados necessitem de uma qualidade proteica melhor, já que a condição hipocalórica demanda uma ingestão aumentada de proteína para conservação de massa muscular e ainda pessoas treinadas são mais resistentes à mudança corporal.
Com relação aos estudos crônicos, tem mais uma questão metodológica envolvida. A maioria deles é feito somente com a suplementação (soja ou whey), sem considerar a dieta como um todo, que muitas vezes continua onívora, ou não é controlada. Então, a conclusão de que é possível ter hipertrofia com uma dieta vegetariana/vegana de forma comparável à uma dieta onívora poderia ser questionada. Porém, recentemente, um grupo de pesquisa respeitado (com Stuart Phillips) confirmou que é possível! (12)
Os pesquisadores não observaram diferenças entre veganos e onívoros com relação ao aumento de massa muscular e força em resposta à 12 semanas de treinamento resistido (musculação). Nota-se, porém, que houve suplementação de grande quantidade de proteína isolada da soja (cerca de 58 gramas/dia/pessoa), o que nos leva a pensar que é difícil bater as quantidades de proteína (neste estudo estipulada de 1,6 g/kg) somente através de alimentos vegetais. Ainda se a quantidade de proteína fosse alcançada somente com estes alimentos, provavelmente haveria também maior consumo de carboidratos e energia (Difícil adequação sem suplementação para veganos). Outro problema de bater a proteína somente com alimentos integrais seria os fatores antinutricionais (que não estão presentes na proteína isolada), que poderiam diminuir a resposta hipertrófica ótima relatada no estudo (isso é somente uma hipótese, são necessários mais estudos).
CONCLUSÃO
Portanto, até o momento, temos que é completamente possível que indivíduos iniciantes tenham hipertrofia com uma dieta vegana/vegetariana. A dieta vegetariana por si só já inclui ovos e leite, o que torna muito mais fácil a adequação, junto à mistura de fontes de proteínas vegetais (visando maior qualidade e aproveitamento da matriz alimentar). Seria prudente também a ingestão de proteína um pouco maior que o recomendado, com vista a minimizar os impactos de uma proteína de mais baixa qualidade. Já para a dieta vegana, além destas recomendações (mistura de fontes, maior ingestão de proteína), temos que até o momento, também é recomendado a suplementação de uma proteína isolada (principalmente da soja, já que é uma proteína de alta qualidade), para suprir a necessidade de aminoácidos sem adicionar muito carboidrato e calorias junto.
Por outro lado, para indivíduos treinados, principalmente em condição hipocalórica, pode ser necessário proteínas de mais alta qualidade (animais). De qualquer forma, esta é uma hipótese que deve ser testada nos próximos estudos.
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