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Apesar das advertências das agências de saúde, o consumo de álcool permanece culturalmente enraizado em todo o mundo. Curiosamente, vários estudos relataram que os atletas são muito propensos a consumir doses exageradas de álcool. 

Álcool e Recuperação Muscular

Apesar das advertências das agências de saúde, o consumo de álcool permanece culturalmente enraizado em todo o mundo. Curiosamente, vários estudos relataram que os atletas são muito propensos a consumir doses exageradas de álcool. 

Muitas das informações sobre o uso de álcool por esportistas vêm de grandes pesquisas com estudantes universitários dos Estados Unidos. Esses estudos revelam consistentemente que os alunos envolvidos em esportes não apenas bebem álcool com mais regularidade, mas também têm uma tendência maior a beber para ficar bêbado e, portanto, abusar do álcool com mais frequência do que os alunos sem envolvimento em esportes.(1)

Não se sabe ao certo o motivo, mas pode estar relacionado à percepção errônea de que o álcool melhora o sono (ele pode induzir o sono, mas piora a profundidade e ciclos) ou reduz a sensação de dor após o exercício. Mas a questão fundamental é sempre o aumento da interação social. 

De qualquer forma, além do álcool não trazer nenhum benefício, a sua ingestão ainda prejudica a recuperação muscular, através de vários mecanismos

Desidratação 

Durante exercícios extenuantes, a transpiração pode resultar em desidratação (perda de líquidos de 2 a 5% da massa corporal ou mais). Sabe-se que uma desidratação moderada (>2% da massa corporal) já pode prejudicar o desempenho cognitivo-motor e, portanto, a reidratação adequada é importante para garantir a recuperação antes da próxima sessão de treinamento. (4)

O álcool inibe a produção de um hormônio em nosso corpo responsável por regular a urina. É a vasopressina, ou Hormônio Antidiurético (ADH), que atua nos rins, e é importante para promover a reabsorção de água, evitando grandes perdas do líquido em nosso organismo.

Os estudos demonstram que bebidas com mais de 2% de álcool devem ser evitadas, pois o efeito diurético pode prejudicar a reidratação após o exercício (4,5,6). Se considerarmos que as bebidas disponíveis no mercado normalmente ultrapassam esse limite (cerveja: 5%), é prudente a alternância de copos de água durante a ingestão. De forma lógica, temos que a compensação de água deve ser maior quando consideramos a mesma dose advinda de bebidas com maior teor alcoólico (vodka, whiskey). Ainda, quanto maior a dose bruta, pior para a recuperação do estado hidratado após o exercício. (1)

Ressíntese de glicogênio

Parece que o álcool tem pouco efeito na ressíntese do glicogênio muscular (principal combustível para a performance no treino) após o exercício, a não ser que haja uma compensação (que é muito frequente rs).

Vamos entender um pouco mais…

Burke e colegas compararam os efeitos de três dietas de recuperação, duas das quais continham álcool, na ressíntese de glicogênio muscular pós-exercício. O consumo de álcool (1,5 g de álcool/kg) em conjunto com uma dieta rica em carboidratos não teve impacto no armazenamento de glicogênio pós-exercício em comparação com uma dieta sem álcool. No entanto, descobriu-se que uma “dieta de substituição” do álcool, na qual alguns alimentos contendo carboidratos eram substituídos por uma quantidade isocalórica (com mesma quantidade de calorias) de bebida alcoólica, prejudicava a reposição de glicogênio. (7)

Esta é uma consideração importante na medida que esse cenário alimentar é semelhante ao enfrentado por atletas ou praticantes recreacionais que consomem bebidas alcoólicas após o exercício, muitas vezes substituindo as calorias de alimentos essenciais para a recuperação pelas calorias do álcool. 

Desta forma é indicado que se mantenha a dieta planejada após o exercício, independente da ingestão de álcool, o que pode ser um problema no quesito composição corporal, já que o álcool é muito calórico (7kcal/g). Mas isso é assunto pra outra hora…

Níveis Hormonais 

O álcool afeta negativamente o equilíbrio hormonal normal, de modo que uma série de fatores, incluindo qualidade do sono, humor, metabolismo e função cardiovascular, podem ser afetados durante e/ou após o consumo. (1)

Em grandes doses (1,5 g de álcool/kg de peso corporal), o álcool tem um efeito negativo na produção de testosterona que, juntamente com um aumento da taxa de conversão de testosterona e androstenediona em seus respectivos estrogênios, leva a efeitos feminizantes, como a ginecomastia e atrofia testicular. Além disso, uma diminuição na testosterona também pode afetar a função do músculo esquelético, a densidade óssea e o número de glóbulos vermelhos. 

Além disso, o álcool exerce efeito negativo sobre a produção de melatonina, prejudicando o sono (que é essencial para a recuperação muscular) e até mesmo pode aumentar os níveis de cortisol circulantes.

Hipertrofia 

Sim, o álcool pode afetar diretamente a síntese de proteína dentro do músculo, que é o primeiro parâmetro utilizado para avaliar a resposta hipertrófica. Mas esse é um assunto tão importante, que tenho um post específico para essa discussão. 

Por fim, como podemos ver, álcool e performance não caminham juntos. É claro que uma dose vez ou outra não causará grandes efeitos, principalmente se você souber minimizar os efeitos negativos através de algumas atitudes e estratégias nutricionais. Mas é nítido que nenhuma dose é segura e benéfica e quanto menos beber, melhor! 

    1. BARNES, Matthew J. Alcohol: impact on sports performance and recovery in male athletes. Sports Medicine, v. 44, n. 7, p. 909-919, 2014.
    2. PARR, Evelyn B. et al. Alcohol ingestion impairs maximal post-exercise rates of myofibrillar protein synthesis following a single bout of concurrent training. PLoS One, v. 9, n. 2, p. e88384, 2014.
    3. STEINER, Jennifer L.; LANG, Charles H. Dysregulation of skeletal muscle protein metabolism by alcohol. American Journal of Physiology-Endocrinology and Metabolism, v. 308, n. 9, p. E699-E712, 2015.
    4. Thomas, D. T., Erdman, K. A., & Burke, L. M. (2016). Position of the Academy of Nutrition and Dietetics, Dietitians of Canada, and the American College of Sports Medicine: Nutrition and Athletic Performance. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 116(3), 501–528. doi:10.1016/j.jand.2015.12.006
    5. Evans, G. H., James, L. J., Shirreffs, S. M., & Maughan, R. J. (2017). Optimizing the restoration and maintenance of fluid balance after exercise-induced dehydration. Journal of Applied Physiology, 122(4), 945–951. doi:10.1152/japplphysiol.00745.20
    6. Shirreffs, S. M., & Maughan, R. J. (1997). Restoration of fluid balance after exercise-induced dehydration: effects of alcohol consumption. Journal of applied physiology (Bethesda, Md. : 1985), 83(4), 1152–1158. https://doi.org/10.1152/jappl.1997.83.4.1152
    7. Burke LM, Collier GR, Broad EM, et al. Effect of alcohol intake on muscle glycogen storage after prolonged exercise. J Appl Physiol. 2003;95(3):983–90.

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